É cada vez mais frequente encontrarmos textos satanizando os
agrotóxicos, principalmente nas redes sociais. Todos procuram dar uma certa
aparência de "verdade científica" aos argumentos, mas, na realidade,
estão quase sempre cheios de erros, preconceitos ou conceitos equivocados.
Se bem recomendados e aplicados, os agrotóxicos são para as
plantas muito semelhantes ao que os medicamentos são para os humanos. Embora
possam ter efeitos colaterais, são pensados para curar os vegetais cultivados e
não para causar efeitos colaterais. O Brasil é grande usuário de agrotóxicos
(que em outros países são chamados de pesticidas, pois se destinam a matar as
pestes e não a serem tóxicos para o 'agro') por causa do clima tropical e da
grande área plantada. Nos países de clima frio, durante o inverno há um
controle natural das pragas, doenças e plantas invasoras que prejudicam a
produção agrícola. Isso não ocorre no nosso clima tropical.
A afirmação de que nós brasileiros, consumidores de produtos
agrícolas, ingerimos cinco litros de agrotóxicos por ano, é totalmente falsa.
Esse é o volume total de agrotóxicos aplicado sobre toda a área cultivada
brasileira ao longo do ano, simplesmente dividido pela população. Nesse cálculo
entram todos os produtos aplicados na cana-de-açúcar destinada à produção de
álcool, por exemplo, produto que não é ingerido por nós, humanos. E a cana é a
segunda cultura em área no Brasil. Também entram todos os agrotóxicos aplicados
na soja exportada, que não é ingerida por nós, portanto. E tudo que é aplicado
nas seringueiras, cultivadas para produção de látex, e nos eucaliptos e pinus
destinados à produção de celulose e papel, nas demais essências florestais etc.
Mais importante que isso é que os agrotóxicos trazem no rótulo uma
informação sobre o prazo de carência; o que é isso? É o prazo que deve ser
respeitado entre a última aplicação do produto e a data da colheita
(especialmente importante no caso de produtos alimentícios). Esse prazo é
calculado para que as substâncias químicas ativas dos agrotóxicos já tenham se
transformado em outras (pela ação da temperatura, luz, umidade etc.), restando
em quantidade tão reduzida e diluída que não oferece mais perigo. Se essa
instrução for seguida, nenhuma quantidade significativa de agrotóxico chegará
às mesas dos consumidores.
Além disso, da quantidade aplicada sobre uma área, apenas uma
pequena fração atinge a parte da planta que vai ser ingerida. Por exemplo, um
dos agrotóxicos mais consumidos é um herbicida aplicado na área de soja, a
cultura de maior área plantada no Brasil. Os herbicidas são utilizados para
controlar as outras plantas que surgem no meio do plantio da soja e competem
com ela por luz, espaço, água e nutrientes, prejudicando o desenvolvimento da
cultura e atrapalhando enormemente o manejo da mesma, principalmente a
colheita. Pois bem, boa parte dessa quantidade enorme de agrotóxicos é aplicada
no período inicial do crescimento da soja, bem distante no tempo da colheita
dos grãos.
Os herbicidas são usados nos plantios florestais, em cana e, mesmo
os aplicados em culturas de produtos comestíveis, seguem o padrão de aplicação
na soja, ou seja, a maior parte é aplicada nos estágios iniciais das culturas,
longe da época da colheita. E, segundo os últimos oficiais dados disponíveis,
de 2013, do total de agrotóxicos consumidos no Brasil, os três mais vendidos
eram herbicidas, que sozinhos representaram 50,7% do total comercializado no
país naquele ano.
Muito do que se diz sobre agrotóxicos é mentira e prejudica o
debate saudável e necessário sobre o tema. Realmente, existem problemas nessa
área e graves. O primeiro é o contrabando de produtos. Isso prejudica
economicamente o país, além de moralmente todos os envolvidos. Esse comércio
ilegal permite a ação de máfias, sempre ligadas a outras formas de crime e
corrupção, além de ocorrer à margem de todos os controles, facilitando a
existência de produtos falsos, vencidos, não eficientes etc.
Outro problema é a não observância das recomendações para
aplicação dos produtos. Dentre as inobservâncias, a mais perigosa é para as
pessoas que aplicam os produtos (muito mais expostas que os consumidores). Os
trabalhadores envolvidos na aplicação desses produtos devem usar rigorosamente
os Equipamentos de Proteção Individual (EPIs), conforme indicado nos rótulos
dos produtos. Infelizmente isso não é cumprido em muitos casos, prejudicando a
saúde dos aplicadores, chegando a causar a morte.
Outras ‘desobediências' das normas se dão quanto a quantidade
aplicada, o intervalo entre as aplicações, no prazo de carência antes da
colheita (principalmente em algumas frutas e hortaliças, cuja colheita se
estende pelo tempo, como morango e tomate), na regulagem do equipamento de
aplicação, na mistura não recomendada de produtos, na aplicação de produtos não
recomendados para a cultura em questão etc.
Isso sim deveria ser muito mais discutido pela sociedade. É como o
caso de medicamentos falsos, contrabandeados, vendidos sem receita, utilizados
na quantidade e frequência erradas etc. O problema não está no medicamento, mas
no uso que é feito dele. E não se vê uma campanha contra os medicamentos
humanos por causa dos problemas no seu uso. Também não são os agrotóxicos os
vilões. O problema é o seu mau uso.
Por fim, da mesma forma que existem problemas com a concentração
da produção de medicamentos humanos nas mãos de grandes multinacionais, que
devem ser discutidos e enfrentados com leis que facilitem o acesso da população
aos medicamentos essenciais, como o Brasil tem feito de maneira exemplar para o
mundo (o caso dos remédios para a AIDS é o melhor exemplo), os agrotóxicos têm
sua produção concentrada nas mãos de algumas multinacionais e, nesse caso,
também deve haver um enfrentamento no interesse da população para baratear os
custos da utilização (o preço alto está raiz do contrabando, inclusive).
Mas, condenar o remédio não cura a doença! Devemos esclarecer o
assunto, e não confundi-lo, para realmente enxergar os verdadeiros obstáculos e
ultrapassá-los. Enquanto ficarmos produzindo mais calor e ruído, apenas criando
atrito e não resultando em trabalho, estaremos fazendo o que querem aqueles que
são contra os interesses da maioria da população e nacionais (afinal somos um
grande e eficiente competidor internacional na produção de matéria prima
agrícola).
Alfredo José Barreto Luiz, Engenheiro Agrônomo, Pesquisador na
Embrapa Meio Ambiente